Inúmeros estudos têm apontado que a espiritualidade traz benefícios para a saúde física e mental. Trata-se de conjunto de valores morais, mentais e emocionais que norteiam pensamentos, comportamentos e atitudes, e que podem ter conexão com algo transcendente ou mesmo a fé. Os bons sentimentos elevam a frequência de emoções positivas, com reflexos na qualidade de vida e também no tratamento de doenças.
A cardiologista Lucélia Magalhães ratifica que ciência e espiritualidade podem se somar quando o assunto é saúde. Segundo ela, existe atualmente forte evidência que nossos sentimentos, emoções, atitudes e valores definem uma série de riscos ou proteção das doenças do coração e outros órgãos. “Os estudos científicos sobre o tema, nos últimos quatro anos, têm sido enormes”, afirma.
Segundo a médica, a espiritualidade proporciona sentimentos como perdão, gratidão, empatia e otimismo, que produzem e liberam substâncias anti-estresse, como serotoninas e endorfinas, que são benéficas à saúde vascular. Por outro lado, a raiva, o pessimismo e o medo liberam hormônios do estresse, como adrenalina e cortisol.
A também cardiologista Maria do Rosário von Flach, integrante da coordenação do Grupo de Estudos em Espiritualidade e Medicina Cardiovascular (Gemca), da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) na Bahia, afirma que a espiritualidade inclui o contato com o sagrado, a busca por uma relação íntima com aquilo que está para além do físico. Ela lembra que, muitas vezes, é confundida com religiosidade, quando na verdade não necessariamente requer práticas religiosas. “Trata-se da dimensão da consciência, que é a busca pela transcendência, seja esta considerada “Deus”, “o universo” ou a “Verdade Última”, afirmou.
Segundo a médica, o interesse pelo tema da espiritualidade e saúde cresceu consideravelmente nos últimos dez anos, e ganhou status de interesse científico, sendo acolhido por revistas de referência ao redor do mundo. Milhares de artigos tratam do tema na atualidade.
Em setembro passado, a SBC divulgou a I Diretriz de Espiritualidade em Saúde, uma recomendação, considerada inédita, para que médicos abordem a espiritualidade com seus pacientes. O documento orienta cardiologistas e médicos em geral sobre a melhor forma de abordar questões de caráter espiritual durante os atendimentos. Não se trata de orientar pacientes quanto à sua religião, mas dar oportunidade para que se expressem quanto à sua fé e questões espirituais, que podem surgir durante o tratamento médico.
“A espiritualidade e religiosidade são recursos valiosos utilizados pelos pacientes no enfrentamento das doenças e do sofrimento. O processo de entender qual a relevância, identificar demandas e prover adequado suporte espiritual e religioso, beneficia tanto pacientes como a equipe multidisciplinar e o próprio sistema de saúde”, cita o texto.
Paciente como agente da cura
Doutor em Medicina e chefe do Departamento de Cirurgia Geral e Especializada da Universidade Federal Fluminense (UFF), Dr. José Genilson Ribeiro é professor da disciplina optativa Medicina e Espiritualidade na instituição. Ao participar do I Fórum de Espiritualidade
em Saúde, realizado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb), no último dia 7 de dezembro, em Salvador, ele afirmou que o paciente é o principal responsável pela cura, e destacou a importância da espiritualidade no cuidado com este.
“Quando buscamos usar a ferramenta da espiritualidade do paciente, ela tem duas finalidades. A primeira é a ressignificação do processo de adoecimento, fazendo nos perguntar porque que estou doente, o que esta doença significa na minha vida e quais os sinais que ela indica para possíveis mudanças. A segunda é que, quando usamos a espiritualidade no cuidado com o paciente, podemos dizer a ele que existe uma força interior imensa dentro dele, que precisa ser despertada”, afirmou.
De acordo com o professor, o hábito de orar, meditar e adequar a vida a valores espirituais positivos tem sido correlacionado a inúmeros estudos, que indicam benefícios à saúde e à qualidade de vida. Segundo ele, mudanças moleculares sustentam estes benefícios das interações entre mente e corpo. “Uma proteína que existe nas células induz a reações inflamatórias nas mais diversas doenças. Quando as pessoas meditam ou têm práticas espirituais, fortalecem o sistema imunológico, diminuindo esta proteína, o que reduz a inflamação”, exemplificou.
Dr. José Genilson Ribeiro enfatiza que o homem é um ser “biosociopsicoespiritual”, e deve ser entendido como um todo, reforçando a necessidade de um atendimento integral, com participação efetiva da pessoa que busca ajuda no cuidado à saúde. “Por isso é importante e necessário que os profissionais de saúde saibam lidar com a espiritualidade na vida de seus pacientes, e com os sentimentos e comportamentos daí decorrentes”, afirmou.
Ele lembra que a tecnologia possibilitou muitos avanços na medicina, permitindo uma capacidade de prolongamento da vida. Mas citou que, na medicina atual, o paciente, em geral, ainda tem uma atuação passiva. “A terapêutica não é integrativa. Não ouvimos adequadamente o que o paciente tem a nos dizer”, declarou. Ele destacou como marco para a mudança de paradigma a Carta de Ottawa, que resultou, em 1986, da Conferência Internacional de Saúde, realizada pela ONU. Ela reuniu estudiosos na área de saúde, que passaram a considerar a integralidade do paciente do ponto de vista físico, psíquico, social, funcional e espiritual, e não apenas biológico.